11 de outubro de 2024

As redes sociais estão mudando as campanhas eleitorais e, mais do que isso, a nossa forma de fazer comunicação? Entrevista com Guilherme Ravache

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Esta semana, a gente conversou com o Guilherme Ravache, que é jornalista especializado em mídia, para discutir um pouco mais a fundo como as redes sociais estão mudando as campanhas eleitorais e, mais do que isso, a nossa forma de fazer comunicação.

Entre as muitas coisas interessantes que foram ditas, uma, em especial, tem muito a ver com o que a GWA acredita. Segundo Ravache, independente do meio, se são as redes sociais ou a mídia tradicional, a narrativa também é determinante. “O importante é consistência que isso tem e como reverbera”, diz. E a gente fala muito isso aqui dentro, que é importante agir como se discursa, manter uma comunicação constante, porque é essa coerência, essa regularidade, que faz diferença.

No contexto das eleições municipais, mas reverberando no nosso cotidiano de comunicadores, Ravache também falou sobre como a mídia tradicional esta sendo subestimada e como uma mensagem curta, não raro uma promessa vazia, funciona bem na internet. “Quanto mais sério um candidato, ou uma marca, mais desafiador vai se tornar essa comunicação”, ele diz. “Porque as pessoas, cada vez mais, também parecem querer respostas rápidas, mesmo que ilusórias”. Criar a tal narrativa num ambiente com tanta informação, tanto ruindo, não é fácil pra ninguém.  Mas pode ser a tábua de salvação.

A conversa toda – que vale a pena – vai a seguir:

GWA: Como o uso das redes sociais mudou o cenário das campanhas eleitorais municipais no Brasil?

Não sei se, necessariamente, mudou. O que a campanha fez, particularmente aqui em São Paulo, foi deixar mais evidente, ou mais clara, a polarização que a gente vive – e muito em função das redes sociais também. Esse efeito que a rede social tem de criar as bolhas e amplificar essas bolhas, porque a pessoa fica vendo um conteúdo que confirma tudo aquilo que ela acredita. Então, eu não sei se muda, mas deixa mais evidente essa polarização e a oportunidade que as redes sociais trazem de usar essa polarização a favor de alguém.

GWA: Quais são os principais desafios enfrentados pelos candidatos ao utilizarem plataformas digitais para a comunicação com os eleitores?

O principal desafio é para os candidatos sérios. Quanto mais sério um candidato, mais desafiador vai se tornar essa comunicação. Muita gente, por exemplo, no final da corrida, achou que a Tabata Amaral poderia ter uma virada, porque a via muito presente no feed. Mas é isso, quem votava nela, acabou vendo, nas redes sociais, uma afirmação daquilo que imaginava. Eu digo que isso vai ser mais desafiador para os candidatos sérios, porque, cada vez mais, parece que as redes sociais são usadas para criar factoides, criar estímulos que afirmem o que as pessoas querem. Mas quanto mais estapafúrdia a proposta, mais alcance ela vai ter. E a gente viu isso, claramente, com o Pablo Marçal. Durante os debates, gerando os factoides, gerando material para cortes que podem ser amplificados nas redes. E os candidatos que querem debater propostas, que querem discutir caminhos viáveis, vão sofrer muito para, de fato, conseguir alavancar isso por meio das redes sociais, porque as pessoas, cada vez mais, também parecem querer respostas rápidas, mesmo que essas respostas sejam ilusórias.

GWA: Como a desinformação e as fake news impactam as eleições municipais no ambiente digital?

Minha sensação é de que a gente está num período de transição. As pessoas que acreditavam no whatsapp, que se deixavam levar pelo whataspp, já estão mais atentas a isso. Eu estive, recentemente, num evento em Campinas com senhoras, todas com mais de 65 anos, e, conversando sobre fake news, elas falaram que estão muito mais atentas ao whatsapp, estão prestando atenção no que os filhos, os familiares mais jovens falam, estão checando as informações antes de compartilhar ou, simplesmente, não compartilham. Mas, para mim, essa é a fase 1.0 das fake news e do click bait.

Estamos indo, agora, para um período de cortes, mas cortes que vão ser amplificados pela IA. Estamos entrando num território que vai ser impossível, literalmente impossível, distinguir o que é realidade e o que é IA. Vozes, imagens, vídeos, tudo isso vai poder ser replicado artificialmente. E é maluco, porque os cortes, que não são necessariamente fake news, mas podem induzir ao erro, foram muito mais efetivos do que as fake news. E isso porque as pessoas estão mais atentas as fake news. E vamos lembrar que a IA generativa vai acelerar o processo de produção de conteúdo, edição, fazer os cortes usando aplicativo. Esses cortes que foram feitos usando aplicativo ficaram muito mais rápidos, muito mais fáceis. Hoje, qualquer um pode fazer um corte usando um telefone celular, o que não era uma realidade há alguns anos. E a IA vai deixar isso ainda mais rápido e mais eficiente.

GWA: Quais são as principais vantagens e desvantagens da propaganda eleitoral online em comparação com a tradicional?

Talvez o ponto seja a capacidade de segmentação. As redes sociais, e vai além do fato de ser propaganda ou não, elas te dão mais recursos pra você explorar isso. E você pode explorar, justamente, essa divisão, essa polarização que existe nas redes. Tão importante quanto você levar a sua mensagem, hoje, é você destruir a mensagem do adversário. É por isso, por exemplo, que a gente vê a publicação de um dossiê falso, de um boletim médico falso, na internet. Para atacar. Eu acho que denegrir o adversário, hoje, ainda que não seja novidade, está muito exacerbado dentro das redes sociais.

Como desvantagem, você esta muito exposto as mentiras dentro das redes sociais. Não tem um processo de verificação realmente efetivo, e a gente viu isso nos debates. Falavam o que queriam, geravam um corte e depois propagavam isso. A vantagem é, principalmente para o candidato menor, poder levar o conteúdo dele, as ideias dele, numa maneira mais segmentada. O vereador não precisa mais fazer uma campanha alcançando a cidade inteira. Ele pode direcionar para a região em que ele mora, ou para o público que ele quer atingir.

GWA: Como a regulamentação eleitoral brasileira tem se adaptado ao uso de plataformas digitais nas campanhas?

É notório que a legislação sempre anda atrás da inovação. Teve a eleição do whasatpp, depois a gente foi regular o whatsapp; teve a eleição das redes sociais, depois a gente foi criar regras para as redes sociais. Essa agora foi a eleição dos cortes e ai, provavelmente, vamos criar regras para isso também. Não tem como mudar essa dinâmica. O fato é que tem muita gente, muito recurso, pensando em como criar novas possibilidades no digital para ganhar votos e se aproveitar de brechas que o sistema oferece.

O que dá para apontar, o que talvez seja necessário, é o empenho, ainda maior, das plataformas, das big techs, para garantir que as decisões para combater qualquer distorção no sistema eleitoral sejam aplicadas rapidamente de maneira eficaz. Qual problema para as big techs? Isso, não raro, passa pelo uso de pessoas e, portanto, é caro. Tem ai uma preocupação das grandes empresas de não gastar muito, tentar fazer tudo isso por IA, pelo computador, o que nem sempre é eficiente, e acaba explicando, muitas vezes, a morosidade das plataformas para tomarem uma decisão.

GWA: De que maneira o uso de dados e algoritmos influencia a estratégia de campanha digital nas eleições municipais?

Atualmente, ninguém vai fazer uma campanha sem pensar no algoritmo e como esse conteúdo vai performar. Óbvio que nem tudo é algoritmo e a gente viu a força da tevê. Acho pouco provável que o Pablo Marçal tivesse a projeção que ele teve em São Paulo, se não fosse pelo fato das tevês cobrirem intensamente o que ele falava, o que ele fazia, até pelo fator curiosidade. E ainda pelo que ele fez no debate eleitoral. Isso deu muita visibilidade para ele e também, de certa maneira, chancelou o que ele fazia.

O lado positivo é que, ao mesmo tempo em que a tevê e a mídia tradicional expõem o cara e dão credibilidade para ele, a própria imprensa correu atrás de trazer elementos, de trazer fatos que desabonavam o Marçal, o que obviamente não foi suficiente para fazer com quem uma parcela de eleitores dele mudasse de posição. Como no bolsonarismo e em outros movimentos políticos de direita e de esquerda, dentro daquela bolha, a pessoa vê o que ela quer e não esta disposta ver outra coisa diferente. Qualquer coisa diferente é desinformação ou ação de um adversário.

Tudo isso permeia, justamente, a questão da polarização. O que a gente vê nas redes sociais são essas pessoas cada vez mais extremistas, porque as big techs faturam com o caos. Quanto mais caótico o ambiente online, quanto mais briga, mais discussão, maior o engajamento, mais tempo as pessoas ficam conectadas naquela plataforma. E os candidatos entende isso. Esse caos que impera nas redes também é usado por eles para gerar engajamento, para gerar um custo de conversão menor, porque vai alcançar mais gente gastando menos.

GWA: Como você avalia o papel das lives e dos vídeos curtos nas campanhas eleitorais atuais?

É determinante. A live permite um contato direto. Dependendo da plataforma, ela tem alcance amplificado, dá uma sensação de contato direto com o candidato, torna mais pessoal a relação. E a live também vai gerar muito material para fazer corte, assim como os debates. Não dá para escapar, hoje, de ter campanhas que invistam muito em vídeo curto, nos cortes, as lives, para alimentar essa bolha dos grupos mais fanáticos, mais próximos. Num mundo como o que a gente vive, de tantas incertezas, e esse é um ponto importante. Estamos diante da IA generativa, da possibilidade de destruir vários empregos, de inovações que acontecem rápido; tudo isso gera incerteza. E essa incerteza faz com que as pessoas busquem, de alguma forma, conforto. Busquem um lugar de segurança. E, não raro, ela encontra isso nas redes sociais, em outras pessoas que pensam como ela. O Tales Gomes, por exemplo, influenciador, que falou contra as mulheres CEOS. É um absurdo você falar “Deus me livre uma mulher CEO”. Mas num grupo de homens que sentem ameaçados, você atacar uma mulher, achar que uma mulher não deveria ser CEO, isso traz segurança para eles, traz conforto. E muita gente se abraça nas teorias mais extremas por causa disso.

GWA: Os candidatos menores têm as mesmas oportunidades de alcançar eleitores por meios digitais quanto os candidatos maiores?

No final, o efeito Marçal, por exemplo, passa uma ilusão de que o candidato pequeno vai ter as mesmas chances do candidato grande, mas isso não é verdade. O próprio Marçal, apesar de ter uma projeção muito grande na internet, de ter muitos seguidores, ter ganhado muito tempo de exposição na tevê pelas barbaridades feitas, ele não teve tanto tempo institucional de tevê. Na minha leitura, se fosse uma candidatura mais estruturada, com mais tempo de tevê, ele teria boas chances de ganhar. Não pela proposta, mas pelo que ele representa para muitas pessoas, uma oposição a tudo, um voto de protesto.

Não são os menores que levam vantagem no digital, mas, como já acontecia antes, são os mais ricos que levam vantagem. Dinheiro para campanha é, sem duvida, um fator definidor. E mesmo no digital, quem tiver mais dinheiro, vai poder ter mais gente fazendo cortes, por exemplo. A estratégia do Marçal, que não foi barata, com certeza vai ser copiada.

GWA: Quais estratégias de engajamento digital têm se mostrado mais eficazes para campanhas municipais?

Muita gente fala das estratégias digitais, que o digital é um diferencial; e de fato é. Mas, na minha visão, a mídia tradicional é subestimada nesse processo eleitoral. O radio é fortíssimo, a imprensa ainda é um fator determinante quando a gente pensa em falar com a população ou grande parcela dela. Quando a gente olha dados da Kantar, por exemplo, sobre o conteúdo em vídeo consumido no país, mais de 80% do consumo em tela grande ainda se dá em tevê. Quando eu penso em todos os dispositivos, consumo de vídeo em todos os dispositivos, incluindo celulares, a tevê ainda representa mais de 69%, quase 70% do consumo. A tevê é massiva. Eu não deixaria em segundo plano a mídia tradicional.

Outro elemento para se pensar é que muito do que a gente vê nas redes sociais, conteúdo, cortes, seja o que for, é originado na mídia tradicional. Então, talvez o ponto aqui não seja sobre a plataforma, mas sobre qual historia você vai contar.

A Tábata talvez não tenha conseguido ir pro segundo turno, porque a narrativa dela, de ser a adversaria do Marçal, começou tarde. Ter uma narrativa também é determinante, independentemente se o meio é digital ou tradicional. O importante é a consistência que isso tem e como reverbera. O digital amplifica, a teve também, mas é difícil criar uma narrativa num ambiente com tanta informação, tanto ruindo. É difícil para o candidato, é difícil para as marcas. E isso o Marçal entendeu muito bem; ele conseguiu, apesar das limitações, as mensagens dele eram de fácil compreensão pra grande parte da população.

Esta cada vez mais difícil comunicar e, para as marcas sérias, o digital torna ainda mais difícil. Porque a mensagem curta, e não raro uma promessa vazia, funciona muito bem na internet. Por isso que os coaches fazem tanto sucesso. Você tem uma questão super complexa, que é fica rico, resolver um programa de empreendedor, e o coach te fala quatro ou cinco frases que vão resolver a sua vida. É a chamada cultura da dopamina, como o livro Nação Dopamina, dos pequenos estímulos. Um mundo onde tudo está mais resumido, onde a IA resume um livro em segundos. Isso também afeta a maneira como a gente comunica. Eu brinco que virou o marketing da dopamina: a gente tem feitos mensagens muito curtas, muito diretas, sem nem se estender nos problemas.

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